As falas e os sentimentos das participantes vão orientar a elaboração de uma cartilha a ser distribuída para cerca de 50 mil famílias atendidas pelo Programa Uma Terra e Duas Águas.

Veronica Pragana – Asacom
Lagoa Seca – PB
20/06/2013

oficina-quintais

Participantes apresentam desenho dos quintais de suas casas na infância | Fotos: Verônica Pragana/Asacom

Direto dos sertões e agrestes de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, 13 agricultoras experimentadoras – quase metade delas leva como primeiro nome a alcunha de Maria – se encontraram em Lagoa Seca, na Paraíba, nos dias 11 e 12 deste mês. Todas elas são cuidadoras, a seu modo e com os recursos disponíveis nas suas regiões e propriedades, do espaço que fica ao redor de casa e que a ASA nominou de quintais produtivos.

Essa área da propriedade das famílias agriculturas é espaço de domínio e de expressão da criatividade da mulher. A partir das ações do programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, o quintal ganhou visibilidade e novo impulso como um importante espaço produtivo que, através da variedade de plantas cultivadas no pequeno espaço, garante a segurança alimentar e nutricional das famílias e a geração de renda a partir da venda dos alimentos excedentes.

Cerca de 95% das cisternas-calçadão construídas pela ASA estão localizadas no quintal das casas. Desde 2007, a ASA já construiu mais de 13 mil tecnologias deste tipo ampliando a capacidade de armazenamento de água para produção de alimentos para número igual de famílias agricultoras.

A oficina em Lagoa Seca foi organizada pela ASA, através do contrato de patrocínio com a Petrobras, e teve como objetivo levantar subsídios para a elaboração de uma cartilha sobre o quintal produtivo. Esta publicação vai ser distribuída, no segundo semestre de 2013, para mais de 50 mil famílias agricultoras que serão atendidas pelo P1+2 este ano.

A ação das mulheres no quintal carrega em si as mesmas características de invisibilidade e desvalorização que os serviços domésticos têm. Por não desempenharem um trabalho remunerado, as mulheres são dependentes financeiramente dos maridos, o que as coloca num lugar de submissão em relação aos mesmos na maioria das famílias agricultoras do Semiárido brasileiro.

Por isso, ampliar a capacidade de produção de alimentos do quintal das casas é interferir também nestas relações de poder entre homens e mulheres, tentando tornar as mulheres mais autônomas e “libertas”, para usar uma palavra proferida por dona Maria Aparecida da Silva, conhecida como Cida, agricultora do alto sertão sergipano que representou o estado. “Mulher não é sapato para viver debaixo dos pés”, garantiu ela com firmeza.

“Alguns maridos defendem que o quintal é pequeno, na lavoura [roçado], que é maior, o resultado da produção é maior. Quando não têm como trabalhar no muito, eles não querem trabalhar no pequeno. Eles pensam grande e não valorizam os quintais”, comenta Sára Maria Constâncio, do município de Cubati, na Paraíba.

Mas, para as mulheres, a importância do quintal é inversamente proporcional ao seu tamanho. Um dos significados mais destacados na oficina é que, nesta área ao redor da casa, as mulheres ensinam, pelo seu exemplo, aos seus filhos a cuidarem com amor da terra, das plantas e dos animais, a terem gosto por plantar o alimento que irão consumir e até vender, se houver sobra da produção. Através do cultivo deste amor pelo ofício da agricultura nos seus herdeiros, as mães alimentam em si a esperança de não perderem seus filhos para os centros urbanos quando virarem moças e, principalmente, rapazes.

Dona Cida Silva representou as agricultoras experimentadoras de Sergipe

Dona Cida Silva representou as agricultoras experimentadoras de Sergipe

“O quintal é um espaço importante de educação para os filhos. Lá, eles aprendem a valorizar a terra. A TV influencia para que deixem a agricultura. Sem agricultura acontece um desmantelo na sociedade porque não vamos mais ter alimentos”, sustenta Zeneide Balbino, presidente dos Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Areial e da Coordenação do Polo da Borborema “Na convivência com os quintais, eles vão trabalhando seu interior para serem futuros agricultores, produtores e contribui também para o aprendizado na escola”, acrescenta dona Cida.

As agricultoras veem o quintal de suas casas também como um espaço de experimentação de sementes, formas de cultivo e, sobretudo, de tecnologias que economizam cada gota d´água. Por ser próximo à casa, esse terreno recebe as águas das pias e banho, que umedecem, por exemplo, a terra perto das fruteiras. Na oficina, vários foram os jeitos de reaproveitar a água, como os canteiros econômicos feitos com lona de plástico e também de cimento, o jirau, uma espécie de mesa com estacas que permite que a água da irrigação das plantas de cima molhem também as plantas que estão embaixo, entre outras tecnologias.

Experimentando, as mulheres inovam e influenciam seus maridos a tentarem produzir de outro jeito para driblar as dificuldades de cultivar com pouca água. Mas essa é a tarefa mais árdua de todas. Dentro de casa é onde elas encontram mais resistência e desânimo para a sua busca pelo crescimento pessoal e familiar.

Na oficina, as agricultoras também mergulharam em cada parte do quintal, buscando destacar as suas partes, funções e desafios inerentes. A variedade de subsistemas que existe dentro quintal comprova a sua capacidade de produção diversificada. São aves e animais de médio porte criados soltos ou confinados, são hortas de legumes e folhas, são hortas de plantas medicinais, são os viveiros de mudas, são as cercas vivas, são as fruteiras e as plantas de flor, além dos sombreiros, são os espaços para uma conversa numa sombra de árvore, são o banheiro e também o batedor de roupa, onde a dona de casa e agricultora lava a roupa da família, entre outros componentes do quintal.

Na programação da oficina, as 13 agricultoras experimentadoras e mais cinco pessoas da equipe técnica e de comunicação da ASA, além de convidados que vão elaborar a cartilha, também conheceram o quintal produtivo de Marinalva, agricultora do Polo da Borborema, que fica no município de Remígio, próximo de Lagoa Seca. A experiência de Marinalva chamou a atenção das visitantes pela variedade de plantas e pela limpeza do terreno, além do engajamento que o marido Arenilson começar a ter com o trabalho no quintal.